sexta-feira, 4 de junho de 2010

KATHRYN BIGELOW: A CINEASTA DOS FILMES "DE MENINOS"

Em um tempo onde o cinema está cada vez mais tencológico e cheio de efeitos visuais, é interessante notar que o grande vencedor do Oscar de 2010 foi um modesto filme de uma diretora que, por sinal, é ex-esposa do grande favorito. O filme em questão se chama “Guerra ao Terror” e a diretora se chama Kathryn Bigelow, que desbancou “Avatar” e o Todo-Poderoso James Cameron do favoritismo aos prêmios principais. Agora, quem é Kathryn Bigelow?

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Essa cineasta estadunidense começo a carreira fazendo um curta chamado “The Set-Up”, com o ator cult Gary Busey. É um curta bastante freneético e violento, que mostra características íntimas do seu tipo de cinema. A sua primeira estreia em longas metragens foi com o hoje cultuado The Loveless, realizado em 1982:

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Esse filme é especialmente recomendado para quem gosta de filmes B sobre estrada, pois reúne elementos diversos que vão desde as viagens psicodélicas de Russ Meyer até a contracultura estadunidense, passando pelo rock ‘n’ roll e pelos beatnicks. Nesse pequeno clássico, Willem Dafoe interpreta um líder de uma gangue de motociclistas que se prepara para uma corrida em Dayotna. Nisso ele agita uma pequena cidade, que se vê confusa diante das figuras. O filme mistura drama, ação e corrida de maneira inteligente e até ousada, embora caia um pouco no final. É muito comparado com o filme “Christine - O Carro Assassino” de John Carpenter, mas são filmes bem diferentes. Esse filme jamais foi lançado aqui, mas tem uma versão em DVD gringa, que saiu pelo selo Blue Underground. Vale a pena adquirir!

Após sua estréia, Bigelow resolve investir em um filme de terror, ainda que mantenha várias das características que o primeiro teve, como grupos violentos e a estradas ensolaradas. Dessa
vez porém, é uma família de vampiros que ataca no filme “Near Dark - Quando Chega A Escuridão” (Near Dark), produzido em 1987:

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Esse filme foi um relativo sucesso de bilheteria e a grande chance de Kathryn mostrar todo seu talento. É um dos melhores filmes B dos anos 80, cheio de gente legal no elenco (Bill Paxton e Lance Henirksen) e com uma trama bem sacada sobre vampiros de estrada, que vem de tempos em tempos para se alimentar do sangue humano. Aqui o azar recai sobre um cowboy, que aos se apaixonar por uma bela vampira, acaba sendo mordido e vampirizado, tendo que forçadamente entrar pra família de sanguessugas, mesmo que esse não seja o seu propósito inicial. O filme tem boas cenas de ação e de terror e uma trilha sonora feita pela ótima banda Tangerine Dream, que mistura rock progressivo e música eletrônica, resultando numa trilha sombria e bem climática, ajudando a bela fotografia e os efeitos simples e bem cuidados. Novamente, o filme derrapa no final, mas não compromete o resultado como um todo, sendo recomendado para admiradores de terror B. Esse filme foi lançado em VHS por aqui mas, até o momento, nada de lançamento em DVD por essas terras.

Uma característica de seu cinema é uma espécie de ecletismo tradicional, ou seja, ela sempre usa tipos parecidos, mas em estilos e situações diferentes. E isso se percebe no seu terceiro - e melhor - filme de sua carreira, o policial Jogo Perverso (Blue Steel), lançado em 1990:

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Um suspense com um roteiro afiadíssimo em que o grande segredo é o jogo de gato e rato entre assassino e policial. No caso, a policial é Jamie Lee Curtis, que é suspensa ao atirar num assaltante durante um assalto. O detalhe é que a arma do crime, que poderia provar a sua inocência, já que o bandido ia atirar primeiro, é roubada por um operador da bolsa de valores que estava no meio do assalto. Com a arma nas mãos, ele inicia um jogo de perseguição com a policial, matando pessoas deliberadamente e fazendo com que ela seja incriminada. Esse papel é vivido de maneira magistral pelo saudoso Ron Silver, que faz um psicótico sedutor e convincente. As cenas de diálogo entre os dois estão entre as melhores dos filmes de ação. Kathryn acerta a mão nas cenas de ação e entrega o ouro para os dois atores, ótimos. O resultado é um policial que mantém a tensão em todo o momento. O final é simples, mas condizente com a proposta. Grande filme!

Um ano depois, Kathryn faz aquele que viria a ser o seu filme mais conhecido, um clássico da Sessão da Tarde, o frenético Caçadores de Emoção (Point Break), de 1991:

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Dificil encontrar alguém que nunca tenha visto essa pérola. É um filme saudosista e que mostra como o tempo é cruel (eu vi ele em VHS, nos idos anos 90). A trama é a mais simplória possível: Assaltantes de banco são procurados no país inteiro, sem deixar rastros. Um policial veterano (Gary Busey, novamente com Kathryn) tem uma teoria de que eles sejam surfistas, uma vez que os assaltos são sempre nas temporadas de ondas altas. O agente especial vivido por Keanu Reeves é enviado especialmente para o caso. O que vem depois é previsível: o personagem de Keanu se envolve com os surfistas suspeitos, liderados pelo falecido Patrick Swayze, se engraça com a mulher de um deles, fica em dúvida de que lado está...enfim. Tudo o que se espera do gênero está lá. E por que esse filme, mesmo assim, é tão legal? Bom, uma das habilidades de Kathryn Bigelow está justamente em fazer boas cenas de ação e um cinema ágil, que faz a gente até esquecer os furos do roteiro e torcer pelos personagens. Soma-se isso as belas paisagens e os belos closes nas ondas e temos um filme-pipoca dos melhores, com muita diversão e adrenalina. Curiosamente, depois desse filme a carreira de Reeves decolou e ele virou um astro e a de Swayze decaiu, o levando aos papéis coadjuvantes e ao esquecimento.

Mas, como todo mundo que faz cinema sabe, sempre tem a hora de querer dar uma “experimentada” e Kathryn se cansou dos roteiros simples e quis investir em algo mais “complexo” e o resultado foi Estranhos Prazeres (Strange Days), lançado em 1995:

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Tinha tudo pra dar certo: o roteiro, escrito pelo ex James Cameron, fala sobre um futuro tenso, marcado por guerras raciais e conflitos armados, onde a humanidade se isola em prazeres solitários pra não pirar de vez. No meio disso tudo, um dispostivo que leva prazer sexual pra quem quiser e puder comprar. A sensação é tão intensa e viciante que ele acaba se tornando ilegal e vai parar no mercado negro. Nisso, um ex-policial (Ralph Fiennes) acaba virando traficante desse dispositivo e também um dependente do mesmo, sempre com lembranças de sua ex-namorada vocalista de uma banda de rock (Juliette Lewis, que também canta). Sua vida vai de cabeça para baixo quando uma usuária é assassinada por um psicopata que se utiliza do dispositivo para planejar seus crimes. Ele então passa a perseguir o psicopata, com a ajuda de uma amiga (Angela Bassett) e de um ex-companheiro (Tom Sizemore).
Mesmo com tudo isso em mãos, o filme foi um fracasso de bilheteria, e entende-se o motivo: o filme é muito simples e cheio de furos que acabam irritando o espectador. Ainda que não seja um filme ruim, essa proposta de ser “sério” o deixou com uma pretensão absurda e acaba comprometendo o que poderia ser um boa ficção científica, resultando num filme burocrático e previsível (a meia hora final é tola e quase afunda o filme). De bom temos a trilha sonora, com rock industrial dos bons, as curvas da então gostosinha Juliette Lewis e a fotografia futurista. Mas é um filme razoável, e em se tratando de Kathryn Bigelow, abaixo da média.

Kathryn, depois do fracasso, ficou reclusa por um tempo e só voltou a dirigir um filme cinco anos depois, com O Peso da Água (The Weight of Water), lançado em 2000:

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Esse é o filme mais “feminino” de sua carreira, marcada por produções cheias de testosterona. A história é adaptada do romance de Anita Shreve e fala sobre uma fotojornalista (Catherine McCormack) que investiga o assassinato de duas mulheres a golpes de machado, ocorrido em 1873, para usá-lo em um editorial sobre outro duplo assassinato, este ocorrido nos dias atuais. Para ajudar ela leva o seu marido (Sean Penn) e o cunhado (Josh Lucas), que vai acompanhado da bela namorada (Elizabeth Hurley).
Vamos dizer que esse é um filme estranho. As duas histórias (a de 1873 e a de 2000) são contadas paralelamente, fazendo um curioso entrelaçamento no final. O filme tem méritos nas atuações inspiradas de todo o elenco e nas cenas do passado, que mostra uma história de vingança e sedução. Na história atual o foco se perde um pouco e fica meio cansativo. Indefinido entre o drama e o suspense o filme vale mais pra quem gosta de filmes densos e intrigantes, ou seja, um público fora do habitual da cineasta. Não é pra todos os gostos, mas é um filme a se conferir.

Dois anos depois ela entra em um território amplamente masculino, os filmes de guerra. E faz isso com muitas honras, no bom K-19-The Widowmaker, lançado em 2002:

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Um filme sobre soviéticos comunistas produzido pelos EUA? E um filme desses ainda consegue ser bom? Pois é, Kathryn conseguiu fazer um filme do ponto de vista soviético sem exagerar no ufanismo, mostrando seres humanos que lutam pelo seu país e o defendem com tudo que puderem. Ainda que as cenas deles mostrando o Tio Sam como a encarnação do Mal sejam forçadas, embora engraçadas, o que temos aqui é a história de um grande submarino que seria utlizado na Guerra Fria (o tal K-19). Como ele apresentou problemas, é enviado um capitão diretamente de Moscou, vivido por Harrison Ford, para verificar o que acontece. A tripulação, liderada pelo capitão vivido por Liam Neesson incialmente recusa, mas acaba aceitando a contra-gosto. O filme melhora quando o submarino é novamente testado e apresenta falhas que podem acabar com todos os tripulantes. Nessa hora, todos os personagens mostram seu lado humano e acabam mostrando suas falhas e virtudes. É um filme que consegue soar inteligente sem querer complicar demais. O ufanismo, seja ele capitalista ou comunista, é deixado de lado e a luta pela vida acaba sendo o mais importante, mesmo que o governo soviético se preocupe mais com bombas e armamentos. O resultado é um filme diferente, inteligente e com um final sensível e atual, mesmo nos dias de hoje.

Sete anos depois, depois de se meter em alguns projetos para a Tve do curta “Mission Zero”, feito pra a BMW em 2007, Kathryn Bigelow volta a dirigir um filme, novamente sobre militares. O modesto Guerra ao Terror (The Hurt Locker), lançado em 2009:

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Esse filme fala sobre um técnico em desarmar bombas que se mete na grande furada que foi a invasão ao Iraque pelas tropas estadunidenses. Com certeza é um dos melhores filmes feitos nos últimos anos e mostra um clima de suspense que poucos filmes do período conseguiram. A trilha sonora e as cenas de adrenalina mantém o espectador em transe durante a projeção, nunca sabendo o que pode acontecer. Além disso, a trama consegue mostrar a faceta dos soldados que ali estão, muitos deles loucos pra sair dali, mas que ficam para manter uma ordem que já não existe mais. Pessoalmente achei esse filme bastante realista em sua mensagem e, longe de tomar partido dessa ou daquela tendência política, mostra seres humanos em constante tensão, lutando, acima de tudo, pelas pessoas que mais amam. A mensagem final do filme elucida bem esse conceito e joga um balde de água fria aos mais exaltados. Grande filme!

Com essa produção, Kathryn Bigelow ganhou o Oscar e se tornou, merecidamente, a primeira mulher a receber a estatueta. Interessante notar que a primeira mulher a ganhar tal prêmio o fez por um filme normalmente vinculado ao gênero masculino. Kathryn é uma das provas de que bom cinema não tem sexo e que uma lenda feminina é possível. Hoje ela não deve nada pra ninguém, seja em termos termos técnicos, estéticos ou em contéudo. Que seu êxito inspire mais jovens mulheres cineastas a ousarem em seus projetos e que o mundo da sétima arte seja mais diversificado!

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4 comentários:

  1. É uma cineasta por quem tenho uma enorme admiração. Para mim, ela e Sofia Coppola são as mulheres do momento no cinema americano. Meu preferido dele é o Caçadores de Emoção (Point Break). Não sabie que o Blue Steel, com a Jamie Lee Curtis, era dela também (é ótimo!).

    Cultura? O lugar é aqui:
    http://culturaexmachina.blogspot.com

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  2. Boa retrospectiva da Bigelow. Sempre gostei dos trabalhos dela. E realmente, ela sabe colocar o seu espírito da diversão e do bom entretenimento em coisas bastante diversificadas.
    Até mesmo no tratado com descaso - pelo pessoal mais chato - Caçadores de Emoção, eu vejo muito desse cinema despretensioso mas com o mínimo de inteligência.
    "Se vc quer viver a aventura máxima, vc tem que estar disposto a pagar o preço máximo", nunca esquecí essa frase que o personagem do Patrick Swayze fala. E o final tbm é demais - uma poesia de rebeldia.

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  3. A forma como a imprensa e a torcida se comportou na disputa: CameronVs.Bigelow demonstou um ar meio simplório, tipo aquela ladainha política que vemos muito no Brasil (argumentam que votarão em X em vez de Y pois X luta pelos ´oprimidos´ en ão pelos ´patrões´ quando, no final das contas, muitos candidatos ´dos pequenos´demonstram ter mais fome de poder e dinheitro do q se espera)...caracterizar Cameron como um vilão de blockbusters contra Bigelow como se ela fosse uma pequena diretora autoral, não tem muito a ver com a realidade. Por mais que não se goste do cara, ele é AUTORAL (lembrando q essa palavra nadatem a ver com AUTOBIOGRáFICO), e, investe a própria grana em muitos dos seus projetos (a DISTRIBUIÇÂO fica a cargo dos grandes estúdios, não a produção q é dele), exercendo controle em todos os aspectos dos filmes q dirige. No caso dela, a maioria dos filmes q fez no passado eram de estúdios de Hollywwod não tinha nada de autoral (tirando basicamente THE LOVELESS q ela codirigiu) e, no caso de THE HURT LOCKER, o estilo dela lembra todos os filmes muderrninhos de ação dos últimos tempos, com montagem desenfreada, cãmera Handheld, fotografia saturada/naturalista, etc vale dizer q ela foi contratada para esse filme, e decalrou q Cameron deu a maior força para ela escolher o projeto quando ainda estava indecisa.

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  4. O legal dela ter ganho o Oscar é que ele estava fazendo muitos filmes que foram , infelizmente, underrated e agora o pessoal pode descobri-los. Este Blue Steel deveria ser um clássico. Grandes interpretações de Jamie Lee Curtis e Clancy Brown e um contexto sobre a entrada da mulher num emprego muito machista. O final, quando a personagem finalmente se dá odireito de chorar e mostrar fragilidade é de tirar o chapéu.
    O "Estranho Prazeres" tem uma das premissas mais inteligentes que já vi mas nem em dvd tem...

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